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domingo, 22 de agosto de 2010

Duas evas - Luiz Felipe Pondé


CARO LEITOR, quando você tem dúvidas de como fazer uma mulher feliz (desculpe-me a presunção de querer saber o que seja uma mulher feliz), como você faz?
Conversa com amigos? O irmão mais velho? Usa o velho método de tentativa e erro (claro, sempre errando ao final, porque afinal trata-se da mulher e seu desejo insaciável)? Sinto lhe dizer, essas soluções já eram. Existem métodos mais modernos. Um amigo me disse que hoje há uma tendência absolutamente inovadora no mercado dos afetos.
Qual é? Você não sabe? É duro ser ultrapassado, hein? Saiba que existem formas supermodernas para lidar com esta patologia (já descrita pela neurociência) como "lazy brain". Esta patologia consiste em cérebros que recusam novas sinapses e que se alojam em caixas cranianas (igualzinha à sua), que, por sua vez, são ligadas a ossinhos que, juntos, perfazem o que você singelamente chama de "meu pescoço".
O tratamento consiste basicamente em fazer primeiro uns 15 minutos de ioga, depois, mais 15 minutos de meditação transcendental e, por último, um curso de 15 minutos de clown mais todo tipo de inovação que a neurociência lançar naquele dia específico em que você se sentir ultrapassado.
E a nossa inovação de hoje? Quando você, leitor ultrapassado, tiver dúvidas de como lidar com uma mulher, contrate uma consultora lésbica. Esta consultoria deve ter sido inventada em um desses países superavançados onde todo mundo é livre, feliz, recicla lixo e anda de bike. Esses lugares onde existem milhares de pessoas com "consciência". Não confie seus segredos a pessoas com "consciência".
Segundo a nova tendência, a lésbica é, na realidade, quem melhor entende de mulher. Bem, ela é mulher. A lógica é bem lógica, afinal. Quem melhor sabe onde um corpo de mulher sente prazer do que alguém que tem um corpo de mulher? Quem melhor "sabe o que uma mulher quer na vida" (expressão tão metafísica quanto "salto quântico") do que alguém que "quer a mesma coisa na vida que a mulher, porque é mulher"? Será que a lésbica e a hétero querem a mesma coisa?
Calma. Beba um gole de água. Álcool não, porque ainda é cedo. Se não morrer de medo de câncer, fume um. Pense o seguinte. O mercado de "filme adulto" sempre colocou relações sexuais entre mulheres em filmes para heterossexuais, certo? E por quê? Porque o sonho de todo cara é sair com duas gatas e vê-las em ação. E qual a razão disso? Ninguém sabe.
Mistérios metafísicos... Deus existe? Minha mãe me ama? Serei feliz sendo honesto? Todo cara quer duas gatas... Who knows why? Deus está trabalhando neste exato momento, com sua equipe, tentando entender porque Adão exigiu duas Evas pra ele.
Sei que a esta altura a turma das chatas, que só gosta de eunucos, está gritando: "Isso é a prova de que o mundo é patriarcal e que o corpo da mulher é visto como objeto de consumo". Mas hoje estou sem saco de conversar com elas, que fiquem gritando. Hoje estou mais preocupado com as inovações no mercado dos afetos e com o que as lésbicas têm a nos ensinar.
Finalmente os héteros perceberam que os homos são o futuro? Os caras "entenderam" que lésbicas sabem dar mais prazer, carinho e compreensão às mulheres do que eles? Seria a vez das mulheres contratarem gays para explicar o que homens gostam na cama e na vida? No lo creo.
Ou isso tudo nada mais é do que o velho impulso cafajeste que existe em todo homem e que levou Woody Allen a colocar Scarlett Johansson beijando Penélope Cruz em "Vicky Cristina Barcelona"? Aliás, viu Deus? Aprenda com o ateu Woody Allen. Era isso que Adão tinha em mente, seu tolinho.
E você, cara Eva, você concorda que lésbicas "sabem melhor" o que você quer? Seu amigo gay lhe dá uma ideia melhor do que um homem de fato quer?
Ou será que, para além do sonho da Scarlett e da Penélope em ação, o homem está mesmo é perdido nessa era boring do "acesso" e da ciência na qual somos todos obrigados a "saber tudo" o tempo todo agora e "respeitarmos o espaço do outro"? E por isso, ele já não sabe o que fazer para saber o impossível: o que a mulher, afinal, quer?

Folha de S. Paulo (09 de agosto de 2010)

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Marketing de comportamento - Luiz Felipe Pondé


UMA FRASE típica de jantares inteligentes é: "Hoje temos outra cabeça!". Eu digo que não. Não temos "outra cabeça". Somos mais tagarelas sobre nossas mentiras. A mentira virou ciência: virou marketing.
Acho, sim, que muitos profissionais das ciências humanas afirmam que existe essa "outra cabeça" (no sentido de sermos mais bem resolvidos) simplesmente para justificar seu lugar de gurus de uma vida melhor. Pretendem seduzir as pessoas dizendo para elas palavras bonitas.
Principalmente as mulheres. Enganam-se porque as mais interessantes entre elas detestam bajulação. A praga da "autoajuda" não é privilégio de magos decadentes, bruxas loiras e gurus desdentados. Essa praga assola tudo, fazendo da vida inteligente um marketing da autoimagem.
Progredimos, sim, em remédios, repelentes de mosquitos e cirurgias (tecnologias médicas), aviões, computadores e celulares (tecnologias de transporte e comunicação). Mesmo a democracia eu julgo sobrevalorizada em muitos casos devido à inequívoca vocação para a retórica e para a tirania da opinião pública.
Mas a má-fé se esconde no fato de que todos esses avanços técnicos implicam o tipo de vida (degradada, instrumental, apressada) que temos. Como diz o filósofo francês André Comte-Sponville, o "progresso" em escala global é uma ameaça à vida.
Sem dúvida que algumas coisas "mudam". Hoje, por exemplo, muitas mulheres podem ser "mais" do que secretárias, elas podem ser médicas, engenheiras, cientistas. E negros podem ser presidentes. Mas nada disso (de antibióticos a médicas negras) implica em "outra cabeça": continuamos invejosos, manipuladores, inseguros, traiçoeiros e podemos destruir muita gente dando uma de "defensores dos mais fracos". Os "ganhos sociais" só se instalam quando se acomodam e passam a servir às velhas mazelas humanas.
Uma leitora, irritada, pergunta: "Você não acredita que existam mulheres sozinhas e bem resolvidas? Você deve é ter problemas com as mulheres". Dou duas respostas.
Primeira: não acredito em pessoas bem resolvidas, acho que todo mundo que se diz bem resolvido é um mentiroso contumaz, mulher ou homem. No fundo, o que existe hoje é um marketing de comportamento que se apoia no consumo crescente de antidepressivos e hábitos macabros como conversar com gatos, cachorros, plantas ou extraterrestres.
Só eremitas conseguem viver bem sozinhos. Amar a solidão sempre implica alguma forma de trauma ou desencanto com a vida.
Segunda: sim, tenho problema com as mulheres, quem não tem? Só os mentirosos. Vou contar uma história. No maravilhoso livro "Contraponto", de Aldous Huxley, existem duas personagens femininas, entre outras, Marjorie e Lucy. A primeira é aquele tipo clássico da mulher que se faz vítima do homem, grávida e traída. A segunda é o outro tipo clássico de mulher (e oposto à Marjorie), o ideal de toda mulher moderna: a devoradora de homens, que transa com quem quer.
Lucy, em sua vivência de mulher livre, descobre um tesouro de sabedoria: só os gays não têm problemas com as mulheres porque são indiferentes a elas. Ser bem resolvido com as mulheres é ser gay. Para o gay, a mulher é obsoleta. Exigir dos homens "afetos corretos" para com as mulheres é querer que todos sejam gays. O mesmo vale para as mulheres: toda mulher tem problema com os homens. Quando se trata da relação entre homens e mulheres, estamos num pântano de medo, insegurança, baixa autoestima e jogos de manipulação. O inferno do desejo.
Conhece?
E por que existe tanta gente que faz uso desse marketing de comportamento dizendo por aí que "hoje temos outra cabeça"? De novo, dou duas respostas.
Primeira: eu me vendo como bem resolvido para fazer os outros se sentirem mal e com isso elevo minha autoestima. Nunca subestime a delícia que é fazer o outro se sentir mal mesmo que você não esteja se sentindo tão bem assim.
Segunda: como derivação da primeira, eu me vendo como bem resolvido para elevar meu preço no mercado dos afetos e das relações.
As duas se resumem no velho pecado da vaidade. Esse é apenas um dos sete pecados capitais (caso a cara leitora queira saber mais, leia são Tomás de Aquino). Melhor do que todo o papo de luta de classes, ideologia, política dos corpos, sexismo e blá-blá-blás associados, experimente usar os sete pecados capitais para ver se eles não iluminam a chacina cotidiana em que você vive.

Folha de S. Paulo (10 de maio de 2010)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Meninas fáceis - Luiz Felipe Pondé


E AÍ, leitor de 15 anos? Diga-me cá uma coisa: é verdade que as meninas hoje transam muito? Quantas já deram em cima de você, fazendo você se sentir um frouxo se "não comparecer" quando ela quiser?
Atenção terapeutas de plantão: não me venham dizer que as meninas hoje em dia "evoluíram" e que querem meninos sensíveis, porque, para elas, meninos sensíveis só são bons para tirar sarro. E que fiquem fora da cama delas. Ou seria fora do carro delas? E aí, leitora de 40 anos, você acha esse papo muito vulgar?
Sinto muito, as meninas "evoluíram" e agora são senhoras dos seus desejos e isso basicamente quer dizer: são fáceis. Quer saber? Acho uma hipocrisia ficar lamentando que as meninas estejam transando por aí. Todo esse estardalhaço com relação "as pulseiras do sexo" é puro blá-blá-blá. Se as meninas estão transando por aí, é porque dissemos a elas que isso é legal, não?
Vejamos. Mas, antes, um reparo.
Repito o que já disse: não acredito que se faça melhor sexo hoje em dia, acho sim que hoje existe muito marketing, muito papo furado, muita mulher sozinha que se veste pra si mesma num ritual macabro de vaidade e... muita gente brocha.
A chamada "revolução do desejo" serve para ganhar dinheiro com publicidade, livros de sexo chique e para aumentar a sensação, em seres humanos reais, de que todo mundo está transando menos você.
Mães de 50 anos se deliciam em vender a imagem de si mesmas como máquinas de sexo. Na realidade, no silêncio de seu quarto escuro, são umas invejosas, que queriam ser como suas filhas: mulheres fáceis.
Professoras inseguras com seus corpos cansados, atônitas com a inutilidade última de toda sua inteligência diante da chacina que é a vida cotidiana, invejam as suas alunas deliciosas que desfilam pernas e seios por aí, dançando a dança do acasalamento. Sim, deveriam tê-las avisado que a vida se repete exatamente naquilo em que ela é miserável: medo, inveja, baixa autoestima e abandono.
Cursos chiques trabalham o corpo para que ele seja fácil de manipular na cama, no carro, no banheiro.
Teorias psicológicas e filosóficas empacotam a vontade de ser fácil em papel de presente fingindo que existe mesmo uma coisa chamada "sexo revolucionário". E aí, quando os padres fazem sexo com meninos, os revolucionários de meia pataca põem o rabo entre as pernas e se escondem porque não têm coragem de enfrentar o horror do sexo "livre".
Não existe sexo livre, existe apenas sexo sem amor.
Comédias de TV idealizam mulheres urbanas que transam assim como quem corre em esteiras aeróbicas (ou seriam "anaeróbicas"?), calculando o "tamanho" de seus homens, se gabando, assim como homens boçais, da quantidade de vezes que gozam.
Músicas nas festas das escolas e nos aniversários de crianças cantam a banalidade dos gestos sexuais, fixando os olhos vazados das meninas no desejo de crescer o bastante para serem fáceis. Programas infantis ensinam a vulgaridade como forma de liberdade corporal na frente das câmeras. Programas "teens" de TV elevam ao grau de guru quem transa aos dez anos, contanto que use camisinha. Pedagogas, sob o signo de preparar para a vida, barateiam os corpos das meninas ensinando sexo fácil como se fosse sexo seguro.
Salvem as baleias, as focas, o verde, o planeta, os "baby monkeys", mas transem fácil.
A forma como o aborto é tratado (todo mundo é a favor, menos os "tolinhos") é prova de como o sexo e as meninas são artigo vendido às dúzias nas feiras de periferia. É isso aí: mulher fácil é mulher barata. Tem mais mulher do que homem no mundo (não estou seguro dessa informação, mas todo mundo diz que sim, principalmente as mulheres solitárias) e, com a liberação delas, o preço ainda caiu mais. A melhor coisa que existe para um cara que quer uma mulher barata é que ela pague suas contas.
Alguém precisa parar de mentir e avisar para essas meninas que a vida é uma chacina cotidiana. Que o envelhecimento chega sem que você espere, que o mundo fica repetitivo com o tempo, que as pessoas ficam previsíveis e que sexo fácil é sempre sexo sem amor. Avisem a elas que o amor é raro, difícil, caro, duro de encontrar, morre fácil, porque é sempre mal-adaptado num ambiente mais afeito a baratas do que a seres humanos.
Enfim, que uma das lutas contínuas da civilização é contra a indiferença porque homens e mulheres não são especiais e existem às dúzias por aí, a gargalhadas, como bonecos de cera sem graça.

Folha de S. Paulo (03 de maio de 2010)

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Novas mulheres - Contardo Calligaris


" SONHOS ROUBADOS" , de Sandra Werneck, entrou em cartaz na sexta-feira passada. Alguns críticos trataram do filme junto com o de Laís Bodanzky, "As Melhores Coisas do Mundo" (sobre o qual escrevi na minha última coluna). A razão desses comentários conjugados é que os protagonistas do filme de Bodanzky são adolescentes de classe média, enquanto o filme de Werneck conta a história de três meninas da periferia. Portanto, juntando as duas películas, teríamos um retrato da adolescência brasileira ou, no mínimo, de seus dois extremos. É nesse estado de espírito sociológico que fui assistir a "Sonhos Roubados" e que li o livro de Eliane Trindade, "As Meninas da Esquina" (de 2005, relançado agora pela Record), que reúne os diários de seis jovens mulheres, três das quais, com condensações e adaptações, são as protagonistas do filme de Werneck.
Mal precisei esperar até a metade do filme para que meu estado de espírito mudasse (e o mesmo aconteceu ao avançar na leitura do livro): rapidamente, eu me apaixonei pelas protagonistas e me esqueci da periferia, que é o pano de fundo da história. Por quê? Simples: é verdade que as três jovens são vítimas da desigualdade social brasileira, mas é também verdade que elas não têm vocação alguma para o papel de vítima. Ao contrário, elas são as admiráveis heroínas de suas histórias.
Jéssica, Daiane e Sabrina vivem de expedientes, entre fugas da escola, pequenos empregos, famílias patéticas e prostituição ocasional. Nessas condições francamente adversas, elas não deixam de inventar a vida.
Jéssica e Sabrina não desistem de ser mães. Daiane não desiste de encontrar uma profissão e uma família -se não um pai, pelo menos uma mãe. As três não desistem de sair à noite à procura de um amor que nunca dá certo, de um pouco de aventura e de umas risadas entre amigas.
De repente, o título do filme, "Sonhos Roubados", parece injusto para com as protagonistas, pois elas, justamente, lutam para que seus sonhos não sejam roubados.
Disse que Jéssica, Sabrina e Daiane enfrentam condições adversas. A condição mais adversa de todas são os homens, que são insignificantes ou funestos. A galeria é devastadora.
Há o pai de Daiane, que morre de medo de ser pai. Há o avô de Jéssica, simpático por ser beberrão e inepto.
Há o ex-marido de Jéssica, fantoche nas mãos de sua própria mãe. Há o tio de Daiane, que abusa da sobrinha-enteada. E há a fileira dos violentos e boçais, encabeçada pelo namorado de Sabrina.
Com esses homens, Jéssica, Sabrina e Daiane não podem contar. Eles são sombras, incapazes de assumir um amor (seja ele paterno ou conjugal), uma amizade e, na verdade, qualquer compromisso: são todos nanicos morais. A única exceção é o presidiário encarnado por MV Bill -o que me levou a pensar (seriamente) que talvez homem só melhore mesmo na cadeia. Nas periferias e nas favelas, os núcleos familiares estáveis se organizam, em geral, ao redor de mulheres.
A explicação recebida por esse fenômeno diz que um lugar social desfavorecido, subalterno ou marginal corrói a "virilidade" dos homens e, portanto, torna-os ou nulos ou violentos (como se eles precisassem compensar na marra a virilidade perdida).
Mas será que essa debandada masculina é apenas um fenômeno de nossas periferias? Ou será que, periferia ou não, os homens de hoje (para usar uma expressão da Carol do filme de Laís Bodanzky) são mesmo um pouco (ou muito) "cuzões"?
Não sei responder, mas o fato é que o filme de Sandra Werneck não me deixou nem um pouco aflito. Ao contrário, saí do cinema alegre, pensando: é bem possível que os homens estejam piorando, mas, por sorte, as mulheres estão cada vez melhor. Como assim?
Nas primeiras décadas depois dos anos 1960, parecia que as mulheres, para afirmar sua independência e conquistar sua cidadania, teriam que renunciar a ser "mulher", pois, por exemplo, a maternidade e o próprio desejo sexual eram considerados como caminhos de submissão ao homem e ao patriarcado.
Pois bem, as meninas de "Sonhos Roubados" não renunciam ao sexo nem à maternidade; elas podem até se servir de seus charmes para arredondar o fim de mês ou o fim de semana. Mas não por isso elas dependem dos homens. Talvez seja porque não há homens de quem depender. Talvez seja porque elas são as novas mulheres -mulheres sem a culpa de serem "mulher".

Folha de S. Paulo (29 de abril de 2010)

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