terça-feira, 11 de maio de 2010

Cabeças perdidas - João Pereira Coutinho


No dia em que os Estados Unidos sofrerem novo atentado terrorista dentro de portas, a presidência Obama estará terminada. O próprio Obama também: independentemente da reforma da saúde e do absurdo prémio Nobel da Paz, os americanos, como diria o general Patton, não toleram perdedores.
Já faltou mais. Em dezembro de 2009, um bombista suicida tentou explodir um avião da Delta-Northwest Airlines sobre Detroit. Só por inépcia falhou a detonação. Obama suspirou de alívio.
E suspirou de alívio sábado passado. Times Square é o coração de Manhattan. Sábado à noite é o coração do fim-de-semana em Manhattan, com milhares de turistas na zona dos teatros. Um carro-bomba, plantado no espaço, prometia carnificina geral. A polícia de Nova York impediu o pior. Mas até quando?
A pergunta faz sentido. Sobretudo quando Obama e a sua retórica "conciliadora" não impedem exibições de extremismo. O carro-bomba, na verdade, não estava apenas em Times Square. Estava a poucos metros dos escritórios da Viacom, a proprietária do canal onde passa o desenho animado "South Park". O mesmo desenho animado que esteve no centro de polémica conhecida.
Semanas atrás, os criadores da série, Matt Stone e Trey Parker, exibiram um episódio onde Maomé surgia com uma fantasia de urso. A ideia de Stone e Parker era retratar todos os grandes líderes religiosos. Mas Maomé não é apenas um líder religioso; é uma promessa de morte para quem se atreve a desenhá-lo. Por isso uma fantasia de urso resolveria o assunto com certa dose de humor.
Foi o que bastou para que as ameaças veladas começassem a chover sobre os criadores. E sobre a estação televisiva, que censurou o episódio. Na emissão seguinte, Stone e Parker trocavam Maomé pelo Papai Noel; depois, usavam um bipe sempre que a palavra Maomé era dita; e, finalmente, colocavam a palavra "censura" sobre as imagens.
Nada disso é novo. Trata-se apenas de uma repetição dos cartoons dinamarqueses do profeta que incendiaram a Europa e o Islã em 2005. E que deixaram uma herança fúnebre: o Ocidente, confrontado com o fanatismo islamita, não parece interessado em defender a sua tradição de secularismo e liberdade de expressão. Para amansar o fanatismo islamita, o Ocidente não hesita em negar e destruir esses valores fundamentais.
Essa atitude de apaziguamento, que ao longo da história nunca comprou respeito ou segurança, tem sido a atitude da atual administração americana. E não admira que, perante o episódio "South Park", a Casa Branca tenha enfiado a cabeça na areia quando era essencial que a mostrasse ao mundo.
Um erro. Quem esconde sempre a cabeça, um dia acaba por perdê-la.

Folha Online (3 de maio de 2010)


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